Como a sombra revela sua luz interior

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Um dia fomos genuinamente nós mesmos. Nos primeiros anos de vida não nos importávamos em dizer não, em sermos vistos como egoístas por não dividir os brinquedos, em chorar por horas nos debatendo no chão porque não fomos atendidos em uma necessidade.

Conforme crescemos, classificamos o que era bom, aceitável, agradável em nós e o que era reprovável, feio e vergonhoso.

Assim, nos moldamos aos padrões culturais, religiosos e sociais. Nos desviamos de nossa verdadeira essência. Criamos e colocamos máscaras que nos deram a falsa sensação de pertencimento, adequação e segurança. Abafamos nosso potencial e limitamos a vida.

Encaixamos nossas características em uma caixinha intitulada como boa ou ruim. A ruim deixamos bem escondida dos nossos olhos, da nossa consciência e principalmente bem escondidos do mundo (sem saber que muitos destes “defeitos” eram na verdade nossas maiores qualidades).

A origem das sombras

Conheci uma pessoa que não se arriscava a desenhar nada, simplesmente não conseguia. Ela se lembrava da última vez em que desenhou com prazer. Foi na pré-escola e ela tinha desenhado uma árvore cor-de-rosa.

Ela conta que a professora a reprendeu perante à classe dizendo: “Não existe árvore cor-de-rosa. Árvores são verdes! Você já viu alguma árvore cor-de-rosa?” Ela se sentiu humilhada e inadequada com o julgamento de uma autoridade e as risadas dos colegas.

Sua criatividade foi julgada como ruim e desde então guardada no porão escuro da mente. Sua criatividade não foi bloqueada somente para desenhos, mas indiretamente para todas as áreas de sua vida.

Hoje ela tem dificuldade de encontrar soluções, mudar padrões de pensamento, imaginar. E inevitavelmente ela sempre se depara com situações bastante desafiadoras onde sua criatividade aprisionada seria bastante útil. Destino? Ou uma sombra querendo ser vista?

Uma única situação pontual pode não ser capaz de criar uma sombra. Mas com o passar do tempo é como se a gente procurasse confirmações para aquela informação tida como verdade e consolidasse de uma vez por todas nossas conclusões iniciais.

O resultado é que passamos a esconder ainda mais todo aquele conteúdo que poderia ameaçar de alguma maneira o personagem que criamos para nós mesmos e que julgamos convincente quando somos aceitos e elogiados por quem nos importa: pais, professores, amigos, colegas de trabalho. Só não convencemos a nós mesmos.

Acabamos experimentando a angústia pelo medo de um dia sermos descobertos como uma fraude; a incerteza de nossas habilidades; a sensação de estarmos perdidos de algo ou de nós mesmos.

O conteúdo de nossas sombras

Decidir conhecer o que existe em nossas sombras é um processo desafiador. E é natural que sintamos medo do desconhecido.

Podemos ver aspectos das nossas sombras através de repetições em nossa vida que muitas vezes atribuímos ao “destino”. Por exemplo, padrões de relacionamentos afetivos, vícios, desafios que mesmo quando decidimos “mudar de vida” voltam a nos visitar.

Outra maneira de conhecermos nossos conteúdos secretos é a chamada projeção: quando usamos os outros como espelho. Passamos a observar no outro o que não conseguimos ver em nós mesmos. Às vezes aquilo que vemos realmente existe no outro, mas às vezes é só mesmo uma projeção do que somos e não conseguimos assumir.

Podemos identificar as projeções quando observamos a repetição nos julgamentos que fazemos. Seja ele positivo ou negativo.

Sabe quando achamos que todo mundo que se aproxima é falso e invejoso? Pois bem. É bastante desconfortável esta conclusão, mas é bem possível que a falsidade e inveja existam em nós. Mas como é duro demais assumir isso dentro do contexto da personalidade idealizada, vemos o tempo inteiro estas características nas pessoas com quem nos relacionamos.

Observar nossos comportamentos faz parte do processo de autoconhecimento, que é a grande ferramenta para se descobrir nossas sombras e aceitá-las com equilíbrio, sem nos sentir os piores seres da face da terra porque não somos aquilo que desejamos ser.

Carl Jung, um importante psicólogo e psiquiatra, criador da psicologia analítica e do conceito inicial das sombras, também descreveu os sonhos como importante ferramenta para conhecermos o conteúdo das nossas sombras através de símbolos e seus significados.

O que fazer com as descobertas

Descobrir e integrar nossas sombras é um processo lento, assim como o processo de autoconhecimento. Mas somente através dele podemos nos sentir inteiros e consequentemente livres para utilizar nosso potencial que nos diferencia. Não será da noite para o dia que mudaremos a rota de nosso trajeto.

Olhar para si mesmo nem sempre é fácil e por isso você pode procurar ajuda de um terapeuta, psicólogo ou outro profissional de confiança neste processo.

Conforme vamos nos descobrindo, podemos nos sentir em conflito moral, com dificuldade em aceitar que aquilo é nosso. Muitas vezes se torna angustiante, muito mais do que conviver com uma imagem irreal de nós mesmos.

É importante deixar os julgamentos cruéis de lado, do tipo: sou uma pessoa horrível; até hoje fui uma farsa; sou inadequada; sou o pior dos seres humanos.

Encontrando luz na escuridão

Encontrar luz na escuridão é conseguir vasculhar nossa verdadeira essência dentro do que escondemos por conveniência em diferentes momentos da vida. Há máscaras tão difíceis de serem removidas que nos causam a impressão de que debaixo delas não há ninguém, apenas alguém sem face.

Passamos grande parte da vida buscando a aceitação externa e a sensação de pertencimento, então é natural que haja desconforto.

Algumas pessoas nunca iniciarão este processo e passarão pela vida sem nunca terem consciência de suas sombras. Elas terão sempre a ilusão de que são pura luz!

Integrar as sombras é observar nossos comportamentos, reações, sonhos, projeções como nossos. É praticar ouvir as mensagens que as crises, as dificuldades, as doenças, as relações estão tentando transmitir.

Não significa que daremos vazão a raiva irracional que sentimos e sairemos agredindo quem aparecer pela frente justificando que estamos libertando nossas sombras. Ou pensaremos somente em nós mesmos sempre que decisões precisarem ser tomadas.

Mas é reconhecer, por exemplo que sentir inveja é natural e observando os momentos em que sinto inveja, posso descobrir desejos que reprimi por causas que muitas vezes não identifiquei.

Ou seja, através da sombra posso me conhecer melhor e assim descobrir como me sentir mais inteira e feliz.

Não espere mudanças instantâneas. Não tente apressar resultados. Tudo é assim mesmo: lento, gradual, com recaídas e retomadas. É certo desse jeito. Não desista e mantenha-se no caminho.

Conheça também o canal Pausa e Luz no youtube.

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